segunda-feira

O ato de criação nas novelas na Rede Globo

(notícia do UOL sobre a novela "Caminhos da Índia", da Globo)

Quando a onipotente Rede Globo cria uma novela envolvendo tradições indianas, com toda a licença "poética" que sua ignorância cultural permite, algumas pérolas são inevitáveis, como por exemplo, estas palavras da autora Glória Perez:

"Gosto de ficcionar. Não me interessa retratar pessoas reais. Isso limita a criação".

Eis que chegamos ao tema do post: o ato de criação nos corredores claros, cheirosos e ventilados da Rede Globo.

A autora afirma com toda a clareza que seu poder de ficção é mais poderoso do que o seu poder de retratar a realidade. Seu ato de criação baseia-se na sua bagagem pessoal, literária e humana, que no entanto oprime as possibilidades de criação baseada em fatos reais.

É uma opção de trabalho, uma opção que valoriza uma mente em detrimento de várias mentes. Afinal, "pessoas reais" têm uma psiquê complexa, obliqua, única, muito mais rica do que visões de mundo de uma única mente criadora, que vê o mundo apenas pela sua ótica.

Seja física quântica, seja papo de bar requintado, o fato é que a criação de algo é apenas a tradução desse algo na mente do criador, sujeita às suas limitações intelectuais e humanas sobre o assunto.

A realidade é o mais rico e aleatório elemento de criação do artista. Nada se compara ao caos psíquico e social, que alimenta as situações e fatos do dia-a-dia. Se usada de maneira poética, a realidade torna-se o próprio pão do artista, a massa que serve de mote para qualquer criação.

O artista é o instrumento, o intermediário; e não o deus, o maestro.

Somos apenas prostitutos emocionais da vida, que conseguem expressar seus estupros diários. Não somos os dramaturgos da própria vida.

Essa é a minha opinião. E sugiro também uma investigação sobre os componentes do ar-condicionado da Rede Globo, sob suspeita de que lá conste algum elemento sub-alucinógeno relacionado ao espírito natalino.

A seriedade do post é oportuna, pois essa ficção unilateral da autora inaugurará uma série de discussões estéreis sobre a Índia e sua sociedade de castas, sepultamento de mortos no rio, Bollywood, reencarnação insectóide, e George Harrison. Deixem eles em paz!

2 Comments:

At 1:34 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Também li essa matéria e fiquei tão indignada quando você. Por isso achei seu post sensacional! Parabéns!

 
At 9:29 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Pois é Leco...achei esse depoimento da Glória Peres meio fora de propósito. Acho que ela nunca leu Aristóteles, a base ocidental para falar sobre a imitação da arte e a função do artista, ou até mesmo outros autores que falam de mimesis...imitação do real. Ela diz fazer ficção, mas na realidade faz uma imitação do real, só que o real que mora nela, como vc disse unilateral, parcial. Por isso os artistas são tão perigosos, e por isso Platão os expulsou de sua República. Só que estamos falando de Rede Globo...que também é unilateral nesse nosso mundo. Fazer o quê?
beijos

 

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